quinta-feira, 28 de novembro de 2013

FAZ HOJE 80 ANOS

Nas margens do rio verde 
Que por verdes margens corre 
Meu pensamento se perde. 
Como se a alma o deserde, 
Meu saber que penso morre. 

Tão lento, tão afastado 
Do propósito de um curso 
Vai o rio, que o meu fado 
Parece bem figurado 
Nesse insciente percurso. 

Nada lastimo nem peço. 
Nada desejo nem creio. 
No rio verde me esqueço 
Até de que sou possesso 
Da ausência do meu enleio. 

Nada, nem remos nem velas, 
Turvam a água do rio. 
E, quando anoitece, aquelas 
Ondas vão sob as estrelas 
No seu mesmo nada a fio. 

Nada? Não. No meu olhar 
E no que penso por ver 
É que há um rio a mudar, 
É que há 'sperança de um mar, 
Mas nem' desejo de o ter.


FERNANDO PESSOA, 28 DE NOVEMBRO DE 1933


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