Não sem lei, mas segundo ignota lei
Entre os homens o fado distribui
O bem e o mal estar
Fortuna e glória, danos e perigos.
Bem ou mal, não terás o que mereces.
Querem os deuses a isto obrigar-te.
Nem castigo ou prémio
Speres, desprezes, temas ou precises.
Porque até aos deuses toda a acção é clara
E é boa ou má, digna de homem ou deus,
Porque o fado não tem
Leis nossas com que reja a sua lei.
Quem é rei hoje, amanhã scravo cruza
Com o scravo de hoje que amanhã é rei.
Sem razão um caiu,
Sem causa nele o outro ascenderá.
Não em nós, mas dos deuses no capricho
E nas sombras pra além do seu domínio
Está o que somos, e temos,
A vida e a morte do que somos nós.
Se te apraz mereceres, que te apraza
Por mereceres, não porque te o Fado
Dê o prémio ou a paga
De com constância haveres merecido.
Dúbia é a vida, inconstante o que a governa.
O que esperamos nem sempre acontece
Nem nos falece sempre,
Nem há com que a alma uma ou outra coisa spere.
Torna teu coração digno dos deuses
E deixa a vida incerta ser quem seja.
O que te acontecer
Aceita. Os deuses nunca se revoltam.
Nas mãos inevitáveis do destino
A roda rápida soterra hoje
Quem ontem viu o céu
Do transitório alto do seu giro.
RICARDO REIS, 17 DE NOVEMBRO DE 1918
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