domingo, 17 de novembro de 2013

FAZ HOJE 95 ANOS




Não sem lei, mas segundo ignota lei 
Entre os homens o fado distribui 
O bem e o mal estar
Fortuna e glória, danos e perigos.

Bem ou mal, não terás o que mereces. 
Querem os deuses a isto obrigar-te. 
Nem castigo ou prémio 
Speres, desprezes, temas ou precises.

Porque até aos deuses toda a acção é clara 
E é boa ou má, digna de homem ou deus,
Porque o fado não tem 
Leis nossas com que reja a sua lei. 

Quem é rei hoje, amanhã scravo cruza 
Com o scravo de hoje que amanhã é rei. 
Sem razão um caiu, 
Sem causa nele o outro ascenderá. 

Não em nós, mas dos deuses no capricho 
E nas sombras pra além do seu domínio 
Está o que somos, e temos, 
A vida e a morte do que somos nós. 

Se te apraz mereceres, que te apraza 
Por mereceres, não porque te o Fado 
Dê o prémio ou a paga 
De com constância haveres merecido. 

Dúbia é a vida, inconstante o que a governa. 
O que esperamos nem sempre acontece 
Nem nos falece sempre, 
Nem há com que a alma uma ou outra coisa spere. 

Torna teu coração digno dos deuses 
E deixa a vida incerta ser quem seja. 
O que te acontecer 
Aceita. Os deuses nunca se revoltam.

Nas mãos inevitáveis do destino 
A roda rápida soterra hoje 
Quem ontem viu o céu 
Do transitório alto do seu giro. 



RICARDO REIS, 17 DE NOVEMBRO DE 1918

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