Na tarde vaga e vasta,
Cheia de vozes fora
Em que o humano
contrasta
Com o afago da hora,
Levanta-se de mim
Um arrepio da alma
Um mau-sossego afim
A ter perdido a calma,
E a ânsia de abandonar
Tudo quanto eu quis,
De ir para além do mar
Sem lar nem país.
Sofre em mim um momento
A dor de não poder ser.
Tenho no pensamento
Não poder conviver.
E, gota a gota, um
pranto
Quasi sem causa afaga
O meu trémulo quebranto,
E meu coração alaga.
Coração indeciso,
Quem quis que tu
vivesses?
FERNANDO PESSOA, 14 DE
MAIO DE 1918
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