Leve, como uma coisa que começasse, a maresia da brisa
pairou de sobre o Tejo e espalhou-se sujamente pelos princípios da Baixa.
Nauseava frescamente, num torpor frio de mar morno. Senti a vida no estômago, e
o olfacto tornou-se-me uma coisa por detrás dos olhos. Altas, pousavam em nada
nuvens ralas, rolos, num cinzento a desmoronar-se para branco falso. A
atmosfera era de uma ameaça de
céu cobarde, como a de uma trovoada inaudível, feita de
ar somente.
Havia estagnação no próprio voo das gaivotas; pareciam
coisas mais leves que o ar, deixadas nele por alguém. Nada abafava. A tarde
caía num desassossego nosso; o ar refrescava intermitentemente.
Pobres das esperanças que tenho tido, saídas da vida que
tenho tido de ter! São como esta hora e este ar, névoas sem névoa, alinhavos
rotos de tormenta falsa. Tenho vontade de gritar, para acabar com a paisagem e
a meditação. Mas há maresia no meu propósito, e a baixa-mar em mim deixou
descoberto o negrume lodoso que está ali fora e não vejo senão pelo cheiro.
Tanta inconsequência em querer bastar-me! Tanta
consciência sarcástica das sensações supostas! Tanto enredo da alma com as
sensações, dos pensamentos com o ar e o rio, para dizer que me dói a vida no
olfacto e na consciência, para não saber dizer, como na frase simples e ampla
do Livro de Job, "Minha alma está cansada de minha vida!"
BERNARDO SOARES
(Do Livro do Desassossego)
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