Vivo sempre no presente. O futuro não o conheço. O
passado já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como
realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades.
Conhecendo o que tem sido a minha vida até hoje – tantas vezes
e tanto o contrário do que eu desejara -, que posso presumir da minha vida de
amanhã, senão que será o que não presumo, o que não quero, o que me acontece de
fora, até através da minha vontade? Não tenho nada no meu passado que relembre
com o desejo inútil de o repetir. Nunca fui senão um vestígio e um simulacro de
mim. O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos
idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar
de página e a história continua mas não o texto.
Breve sombra de uma árvore citadina, leve som de água
caindo no tanque triste, verde da relva regular – jardim público ao quase crepúsculo
- sois, neste momento, o universo inteiro para mim, porque sois o conteúdo
pleno da minha sensação consciente. Não quero mais da vida do que senti-la
perder-se nestas tardes imprevistas, ao som de crianças alheias que brincam nestes
jardins engradados pela melancolia das ruas que os cercam, copados, para além
dos ramos altos das árvores pelo céu velho onde as estrelas recomeçam.
BERNARDO SOARES, 13 DE JUNHO DE 1930
(Do Livro do Desassossego)
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