A liberdade, sim a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência
de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, nem
velocidades, nem no cansaço!
A liberdade do vagar, do pensamento
são, do amor às coisas naturais
A liberdade de amar a moral que é
preciso dar à vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristã da minha
infância que rezava
Estende de repente sobre a terra
inteira o teu manto de prata para mim...
A liberdade, a lucidez, o raciocínio
coerente,
A noção jurídica da alma dos outros
como humana,
A alegria de ter estas coisas, e
poder outra vez
Gozar os campos sem referência a
coisa nenhuma
E beber água como se fosse todos os vinhos
do mundo!
Passos todos passinhos de criança...
Sorriso de velha bondosa...
Apertar da mão do amigo sério...
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da
vida!
Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a
liberdade,
Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do
pote
Da casa do campo da minha
infância...
Eu bebia e ele chiava,
Eu era fresco e ele era fresco,
E como não tinha nada que me
ralasse, era livre.
Que é do púcaro e da inocência?
Que é de quem eu deveria ter sido?
Salvo este desejo de liberdade e de
bem e de ar, que é de mim?
ÁLVARO DE CAMPOS, 17 DE AGOSTO DE
1930
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