Como a noite chegasse e ninguém
vinha,
Tranquei a porta contra o mundo;
E a minha casa plácida e mesquinha
Ficou comigo num silêncio fundo...
Ébrio de só, falando a sós comigo,
Despreocupadamente passeando,
Fui verdadeiramente aquele amigo
Que em cada amigo já me vai
faltando.
Mas bateram à porta de repente
E todo um poema se apagou num
salto...
Era o vizinho, que o almoço assente
Para amanhã me lembrou. Não, não
falto.
E, de novo, trancados porta e ser,
Tentei restituir ao coração
O passeio, o entusiasmo, e o desejo
Com que era ébrio do que os outros
são.
Mas nada... Os móveis naturais da
casa,
As paredes certeiras a me olhar,
Como alguém que deixou de olhar a
brasa
E não viu brasa já ao ir olhar.
FERNANDO PESSOA, 19 DE AGOSTO DE 1934
Sem comentários:
Enviar um comentário