Ruído longínquo e próximo não sei
porquê
Da guerra europeia... Ruído de
universo de catástrofe...
Que vai morrer para além de onde
ouvimos e vemos?
Em que fronteiras deu a morte
rendez-vous
Ao destino das nações?
Ó Águia Imperial, cairás?
Rojar-te-ás, negra amorfa coisa em
sangue,
Pela terra, onde sob o teu cair
Ainda tens marcado o sinal das tuas
garras para antes formar o voo
Que deste sobre a Europa confusa?
Cairás, ó matutino galo francês,
Sempre saudando a aurora? Que amos
saúdas agora
Que sol de sangue no azul pálido do
horizonte matutino?
Porque atalhos de sombra que caminho
buscas,
Que caminho para onde?
Ó civilizações chegando à
encruzilhada nocturna
D'onde tiraram o ponto-de-apoio
E donde partem caminhos curvos não
sei para onde,
E não há luar sobre as indecisões...
Deus seja connosco...
Chora na noite a Senhora de [...],
Torcendo as mãos, de modo a ouvir-se
que elas se torcem
No silêncio profundo.
Deus seja connosco no céu e na
terra,
Ó Deusa Tutelar do Futuro, ó Ponte
Sobre os abismos do que não sabemos
que seja...
Deus seja connosco, e não esqueçamos
nunca
Que o mar é eterno e afinal de tudo
tranquilo
E a terra grande e mãe e tem a sua
bondade
Porque sempre podemos nela recostar
a cabeça cansada
E dormir encostados a qualquer
coisa.
Clarins na noite, desmaiando... Ó
Mistério
Que se está formando lá fora, na
Europa, no Império...
Tropel vário de raças inimigas que
se chocam
Mais profundamente do que seus
exércitos e suas esquadras,
Mais realmente do que homem contra homem
e nação contra nação...
Clarins de horror trémulo e frio na
noite profunda...
E o quê?... Tambores para além do
mistério do mundo?
Tambores de quê... dormis deitados,
dobres minúsculos sobre quê?
Passa na noite um só passo soturno
do uno exército enorme...
Clarins sobrepostos mais perto na
Noite...
Ó Homem de mãos atadas e levado
entre sentinelas
Para onde, porque caminho, para ao
pé de quem?
Para ao pé de quem, clarins
anunciadores de quê?
Tityro, a tua flauta e os campos de
Itália sob César Augusto
Ah, porque se armam de lágrimas
absurdas os olhos
E que dor é esta, do antigo e do
actual e do futuro,
Que dói na alma como uma sensação de
exílio?
Tityro a tua flauta em Éclogas
longínquas...
Virgílio a adular o César que venceu
Per populum dat juri... Um pobre em
guerra,
Ó minha alma intranquila... Ó
silêncios que as pontes
Sob as fortalezas antiquissimamente
teriam,
Sabeis e vedes que a terra treme sob
os passos dos exércitos,
Fluxo eterno e divino das ondas sob
os cruzadores e os torpedeiros...
ÁLVARO DE CAMPOS, 2 DE AGOSTO DE
1914
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