quarta-feira, 20 de junho de 2018

FAZ HOJE 88 ANOS





BICARBONATO DE SÓDIO

Súbita, uma angústia...
Ah que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!

Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.

Mas o que é que me faalta, que o sinto faltar-me no estômago e na circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não, vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E-xis-tir...

Meu Deus! Que budismo me esfria o sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,
Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!

ÁLVARO DE CAMPOS, 20 DE JUNHO DE 1930


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