Para onde vai a minha vida, e quem a
leva?
Porque faço eu sempre o que não
queria?
Que destino contínuo se passa em mim
nas trevas?
Que parte de mim, que eu desconheço,
é que me guia?
O meu destino tem um sentido e tem
um jeito,
A minha vida segue uma rota e uma
escala,
Mas o consciente de mim é o esboço
imperfeito
Daquilo que faço e que sou: não me
iguala.
Não me compreendo nem no que,
compreendendo, faço.
Não atinjo o fim ao que faço
pensando num fim.
É diferente do que é o prazer ou a
dor que abraço.
Passo, mas comigo não passa um eu
que há em mim.
Quem sou, senhor, na tua treva e no
teu fumo?
Além da minha alma, que outra alma
há na minha?
Por que me deste o sentimento de um
rumo
Se o rumo que busco não busco, se em
mim nada caminha
Senão com um uso não meu dos meus
passos, senão
Com um destino escondido de mim nos
meus actos?
Para que sou consciente se a
consciência é uma ilusão?
Que sou eu entre quê e os factos?
Fechai-me os olhos, toldai-me a
vista da alma!
Ó ilusões, se eu nada sei de mim e
da vida,
Ao menos goze esse nada, sem fé, mas
com calma,
Ao menos durma viver, como uma praia
esquecida...
FERNANDO PESSOA, 5 DE JUNHO DE 1917
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