BICARBONATO DE
SÓDIO
Súbita, uma angústia...
Ah que angústia, que náusea do
estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que
tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus
propósitos todos!
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da
alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr
do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais que tudo.
Renego a gládio e fim todos os
Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o
sinto faltar-me no estômago e na circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no
cérebro?
Devo tomar qualquer coisa ou
suicidar-me?
Não, vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E-xis-tir...
Meu Deus! Que budismo me esfria o
sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as
paisagens,
Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconsequência da
superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as
janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!
Dêem-me de beber, que não tenho
sede!
ÁLVARO DE CAMPOS, 20 DE JUNHO DE
1930
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