quarta-feira, 26 de setembro de 2012

FAZ HOJE 88 ANOS



AUDITA CAECANT

Dormimos o universo; a extensa mole
Da confusão das cousas nos engana,
Sonhos; e a ébria confluência humana
Prolixa ecoa-se de prole em prole.

O ouvido atento que se às portas cole
Onda suspeita deuses, só se ufana
Das pulsações do sangue em si, que irmana
Sem som com passos que a distância estiole.

Cegos que um louco guia, atravessamos
A inútil extensão do que não vemos,
Barulhando ervas húmida e ramos.

Em nossa mão a mão do louco temos
E qualquer cousa dada desejamos
Que pela mão funesta recebemos.

FERNANDO PESSOA, 26 DE SETEMBRO DE 1924




Nota: A tradução da expressão latina que intitula este poema é a seguinte "As coisas ouvidas fazem cegar". 

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