ACASO
No
acaso da rua o acaso da rapariga loura.
Mas
não, não é aquela.
A
outra era noutra rua, noutra cidade e eu era outro.
Perco-me
subitamente da visão imediata.
Estou
outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a
outra rapariga passa.
Que
grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora
tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E
tenho pena de afinal nem ter olhado para esta.
Que
grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao
menos escrevem-se versos.
Escrevem-se
versos, passa-se por doido, e depois por génio,
se
calhar,
Sr
calhar, ou até sem calhar,
Maravilha
das celebridades!
Ia eu
dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas
isto era a respeito de uma rapariga,
De
uma rapariga loura,
Mas
qual delas?
Havia
uma que vi há muito tempo, numa outra cidade
Numa
outra espécie de rua;
Porque
todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo
que foi é a mesma morte,
Ontem,
hoje, quem sabe se até amanhã?
Um
transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria
eu a fazer versos com gestos e caretas?
Pode
ser... A rapariga loura?
É a
mesma afinal...
Tudo
é o mesmo afinal...
Só
eu, de qualquer modo, não sou o mesmo e isso é o mesmo também.
ÁLVARO
DE CAMPOS, 27 DE MARÇO DE 1929
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