Num dia silencioso
E num quarto interior
Como soa doloroso
Um pregão de vendedor!
Devendo ter a alegria
Da rua e do céu que tem,
A voz soa longe, fria
Da própria vida a que vem.
Talvez o mal seja meu,
Que a voz, onde soa e está,
Não sabe que eu sinto e que eu
Sinto sempre o que não há.
Sinto que é a vida que, inerme
Ao coração se me exprime.
É a vida, mas a dizer-me
Que dela não me aproxime.
FERNANDO PESSOA, 24 DE MARÇO DE 1931
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