I
Ao pé de mim os mortos esquecidos
Volveram todos. Eu em sonhos os vi.
Se os amei, como foi que os esqueci?
Se os esqueci, como foram queridos?
Rápida vida, como os fizeste idos!
Com que fria memória os lembro
daqui!
Já desleixo chorar o que perdi.
Lembro-os longe da sombra dos
sentidos.
Quando os perdi, pensei: Cada
momento
Me lembrará sua presença morta,
Eterna em meu constante pensamento.
Mas lentamente a vida fecha a porta.
Fechada toda, o olhar 'stá desatento
Para longe de Deus quem me
transporta?
II
Quantos nos deram seu fiel amor
A quem não damos uma fiel memória!
Amaram-nos. Parece uma história.
O invisível já não tem calor.
De vez em quando lembram, e uma dor
Esforça-se por não ser transitória.
Mas vem uma conversa, e foi-se a
glória
De sentir ter quebrado este torpor.
Deus vos faça ou inscientes ou
piedosos,
Ó mortos que julgamos que lembramos
E que entre nossas distracções e
gozos
Inconscientemente abandonamos.
Mas foi sobre vós que os rumorosos
Ciprestes, deslembrados, derramamos.
III
Múrmura voz das árvores mexidas
Por um nocturno, vago, leve vento,
Casa-te com meu triste sentimento
Que paira sobre as campas
esquecidas!
De quantas almas, no silêncio idas,
Não há neste momento um pensamento!
Que Deus as guarde do conhecimento
De como estão longínquas e perdidas!
Ah, quão inteiramente eram mortais!
Não fazem falta à vida leve e forte.
Sem eles, os que amavam são
iguais...
Quem vai tem em quem fica a pior
sorte.
Nós é que os mortos enterramos mais!
É em nosso coração que vive a Morte!
FERNANDO PESSOA, 11 DE ABRIL DE 1925
Sem comentários:
Enviar um comentário