Vaga, no azul amplo
solta,
Vai uma nuvem errando.
O meu passado não volta.
Não é o que estou
chorando.
O que choro é diferente.
Entra mais na alma da
alma.
Mas como, no céu sem
gente,
A nuvem flutua calma,
E isto lembra uma
tristeza
E a lembrança é que
entristece,
Dou à saudade a riqueza
De emoção que a hora
tece.
Mas, em verdade, o que
chora
Na minha amarga
ansiedade
Mais alto que a nuvem
mora,
Está para além da
saudade.
Não sei o que é nem
consinto
À alma que o saiba bem.
Visto da dor com que
minto
Dor que a minha alma
tem.
FERNANDO PESSOA, 29 DE MARÇO
DE 1931
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