Eu vou dormir, vou dormir...
Dormem os astros também.
Eu vou dormir a sorrir
O sorriso que os astros têm;
E entre mim e o firmamento
Haverá tal ligação
Que terei entendimento
Com esses céus sem razão.
E eu, o proscrito do espaço
Casarei meu nada ser
Com esse abstracto regaço
Com que a mãe-noite é mulher.
E as falsas núpcias instáveis
Que resultarão do abismo
Dar-me-ão estes planos hábeis
Com que tenho misticismo.
Mas que digo? Que conheço?
Vou dormir, vou sossegar,
E a sombra do que me esqueço
É um rastro vago no ar.
FERNANDO PESSOA, 4 DE FEVEREIRO DE 1934
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