IN ARTICULO MORTIS
Que nos importa que a lua morta
tenha ou não tenha traços
Do antigo mundo que viveu rindo?
Que seja cinza o que era calor ao
calor dos nossos braços?
De nada nos serve... Fechemos os
olhos, cruzemos os braços.
E desesperemos, sorrindo.
A vida é pouco e a dor é muito. Ao
luar e à noite esquecemos
O nosso ser de sob o sol;
E já que a corrente nos leva
silente, abandonemos os remos;
E visto, o falar a acção nos
lembrar, calemo-nos, escutemos;
Talvez cante o rouxinol.
E daí quem sabe na noite o que cabe?
Da solidão infinda
Talvez raie um sol e um dia,
E à barca que erra... talvez uma
terra lhe espere obscura a vinda.
Talvez não seja o rouxinol que
cante. Esperemos ainda,
E talvez seja a cotovia.
FERNANDO PESSOA, 23 DE JULHO DE 1910
Sem comentários:
Enviar um comentário