sábado, 10 de fevereiro de 2018

FAZ HOJE 101 ANOS



Eu irei contigo, na hora batel de flores,
Pelo rio improfícuo de nos sentirmos viver,
Sem remos nem alarde ao acaso das cores
Que o poente pinta no incerto rio, perder

O sentimento preciso da contingência das cousas,
A líquida confusão de viver com sentir,
E tudo isso será uma ilha cheia de rosas
A meio do rio, ensombrando o barco passando rente, a delir

A sua forma na água e na tarde. Iremos
Para a dissimulação magoada onde o rio alarga
E cansa vagamente não termos vela nem remos,
Nem um destino pensado para alívio da hora amarga.

Tudo isto se terá passado quando chegarmos, no escuro,
À vida, onde outra cousa que nós nos acontece,
Nas áleas de labirinto por onde à terra desce
O guarda do Vale das Névoas e da Porta no Muro.


FERNANDO PESSOA, 10 DE FEVEREIRO DE 1917


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