Lenta e quieta a sombra vasta
Cobre o que vejo menos já.
Pouco somos, pouco nos basta.
O mundo tira o que nos dá.
Que nos contente o pouco que há.
A noite, vindo como nada,
Lembra-me quem deixei de ser.
A curva anónima da estrada
Faz-me lembrar, faz-me esquecer,
Faz-me ter pena e ter de a ter.
Ó largos campos já cinzentos
Na noite, para além de mim,
Vou à manhã meus pensamentos
Enterrar onde estais assim.
Ou ter aí sossego e fim.
Poesia? Nada! A hora desce
Sem qualidade ou emoção.
Meu coração o que é que esquece?
Se é o que sinto que foi vão,
Por que me dói o coração?
FERNANDO PESSOA, 17 DE NOVEMBRO DE
1930
Sem comentários:
Enviar um comentário