PAUIS
Pauis que roçarem ânsias
pela minha alma em ouro...
Dobre longínquo d'Outros
Sinos... Empalidece o louro
Trigo na cinza do
poente... Corre um frio carnal por minha por minha alma...
Tão sempre a mesma, a
Hora!... Balouçar de cimos de palma!...
Silêncio da parte
inferior das folhas, outono delgado
D'um canto de vaga
ave... Azul esquecidos em estagnado...
Ó que mudo grito de
ânsia põe garras na Hora!...
Que pasmo de mim anseia
por outra coisa que o que chora?...
Estendo as mãos para
Além, mas no estender delas já vejo
Que não é aquilo que
quero aquilo que desejo...
Címbalos de
imperfeição... Ó tão antiguidade
A hora expulsa de
si-Tempo!... Onda de recuo que invade
O meu abandonar-me a
mim-próprio até desfalecer
E recordar tanto o eu
presente que me sinto esquecer...
Fluido de auréola
transparente de Foi, oco de ter-se...
O mistério sabe-me a eu
ser outro... Luar sobre o não conter-se...
A sentinela é hirta, a
lança que finca no chão
É mais alta que ela...
P'ra que é tudo isto... Dia chão...
Trepadeiras de
despropósito lambendo de Hora os aléns!
Horizontes fechando os
olhos ao espaço em que são elos de erro!
Fanfarras de ópios de
silêncios futuros!... Longes trens!...
Portões vistos longe,
através das árvores, tão de ferro!...
FERNANDO PESSOA, 23 DE
MARÇO DE 1913
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