Deixemos, Lydia, a ciência que não
põe
Mais flores do que Flora pelos
campos,
Nem dá de Apollo ao carro
Outro curso que Apollo.
Contemplação estéril e longínqua
Das coisas próximas, deixemos que ella
Olhe até não ver nada
Com seus cansados olhos.
Vê como Ceres é a mesma sempre
E como os louros campos entumece
E os cala pràs avenas
Dos agrados de Pan.
Vê como com seu jeito sempre antigo
Aprendido no orige azul dos deuses,
As ninfas não socegam
Na sua dança eterna.
E como as hemadríades constantes
Murmuram pelos rumos das florestas
E atrasam o deus Pan
Na attenção à sua flauta.
Não de outro modo mais divino ou
menos
Deve aprazer-nos conduzir a vida,
Quer sob o ouro de Apollo
Ou a prata de Diana.
Quer troe Júpiter nos céus toldados,
Quer apedreje com as suas ondas
Neptuno as planas praias
E os erguidos rochedos.
Do mesmo modo a vida é sempre a
mesma.
Nós não vemos as Parcas
acabarem-nos.
Por isso as esqueçamos
Como se não houvessem.
Colhendo flores ou ouvindo as fontes
A vida passa como se temessemos.
Não nos vale pensarmos
No futuro sabido
Que aos nossos olhos tirará Apollo
E nos porá longe de Ceres e onde
Nenhum Pan cace à flauta
Nenhuma branca nynfa.
Só as horas serenas reservando
Por nossas, companheiros na malícia
De ir imitando os deuses
Até saber-lhes a calma.
Venha depois com as suas cans cahídas
A velhice, que os deuses concederam
Que esta hora por ser sua
Não sofra de Saturno
Mas seja o templo onde sejamos
deuses
Inda que apenas, Lydia, pra nós
próprios
Nem precisam de crentes
Os que de si o fôram.
RICARDO REIS, POEMA SEM DATA
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